Publicado em 26/06/2017
Tratamento de crack: especialistas explicam como funcionam abordagem, acompanhamento e redução de danos
G1 ouviu três especialistas no assunto para explicar os passos contra o vício.
Usuários de crack se reúnem na Cracolândia, em São Paulo.
O primeiro registro do crack no Brasil, publicado pelos
jornais, é de 1991. São 26 anos da droga circulando no país, criando
dependentes e formando concentrações de usuários nas chamadas cracolândias.
Ainda não existe uma unanimidade sobre o tratamento: uso de medicamentos contra
recaídas? Política de redução de danos? O G1 ouviu três especialistas e suas
experiências sobre como pode ser o caminho contra o vício.
A aproximação
Nem sempre é possível contar com a iniciativa do usuário
para sair da situação, de acordo com André Baricela Veras, psiquiatra e
professor adjunto do Departamento de Psiquiatria da New York University (NYU).
A aproximação para começar o tratamento é o primeiro passo e pode ocorrer de
várias formas.
“O primeiro passo ocorre por meio de um contato de saúde
mais próximo. Ele deve propor a esse indivíduo algum tipo de atenção e iniciar
uma compreensão do que está acontecendo, e só depois conseguir algum tipo de
avanço na redução do problema”, disse.
Jorge Jaber, médico membro da Academia Americana de
Psiquiatria, lembra que é neste momento em que os agentes diários,
profissionais da saúde que trabalham junto aos usuários, atuam com mais
eficiência. “Então, é preciso primeiro uma abordagem médica, dentro de um
ambiente que já seja reconhecido pelo doente como um ambiente carinhoso. É
neste momento que está a sabedoria da psicologia, da assistente social.”
Ex-usuário de crack e hoje pós-graduado em psicologia,
Fabian Nacer diz que a abordagem precisa levar em conta como cada paciente pensa.
"Não adianta chegar e falar: 'Como você está?', 'Nossa,
você está bem magro', 'Você vai morrer'. Nessa hora, eu pensava: 'Então, me
ajuda a morrer logo, não estou nem ligando se eu estou sujo'. A única
preocupação é como você vai conseguir a próxima pedra."
Sobre uma internação compulsória no momento da abordagem, os
psiquiatras concordam: é preciso uma avaliação bem pessoal e, nos casos
extremos, fazer um laudo e pedir uma decisão da Justiça. “A internação
compulsória pode ser necessária, à luz de uma avaliação individual. É uma
situação a se evitar, mas é possível”, disse Veras. Os especialistas acreditam
que a ação não deve ser uma política pública generalizada.
Usuários de crack circulam pelas ruas de Santa Lúcia em Vitória.
Acompanhamento
Jaber defende que, depois do convencimento, o paciente seja
levado a um médico, antes de um psiquiatra ou psicólogo. “Não é para o
tratamento do crack ainda. A maioria das pessoas que estão envolvidas com o uso
do crack tem doenças muito importantes, como DSTs, como o HIV, que é muito
comum, e estão com doenças infecciosas secundárias. Tuberculose é muito comum,
assim como pneumonia”, disse.
Depois, os três especialistas defendem uma avaliação mais
pessoal e particular do estado mental para tentar entender qual é o
acompanhamento necessário do paciente.
“Quanto mais grave, maior a especialização que a equipe
precisará ter para lidar com esses indivíduos”, disse Veras. “Já em casos com
menos gravidade, uma conexão com ex-usuários, ou assistentes sociais, já pode
ser uma base para seguir sem o uso."
Na maior parte do tempo, para se manter longe da droga e nos
casos mais graves, o paciente é acompanhado por alguns meses, ou até durante um
ano, por um psiquiatra, um psicólogo, um assistente social e um terapeuta ocupacional.
“É preciso aproximar o usuário das estratégias de
tratamento. O psiquiatra pode propor uma medicação, se necessário, e o
psicólogo mostra o problema para o paciente e ajuda a encontrar a solução, por
exemplo”, explica Veras.
Jaber afirma que a religião também pode ter um papel
importante na recuperação do usuário. "A Associação Mundial de Psiquiatria
já tem o departamento de psiquiatria e espiritualidade", exemplifica.
"Ou seja: não é bem só religião, mas é o desenvolvimento da
espiritualidade. Entram práticas indianas, e outras práticas. Essas abordagens
que não são químicas é que devem conduzir o paciente até uma vida normal",
explica.
Recaída e redução de danos
Durante o processo, a recaída é comum. E, por isso, há a
defesa de um acompanhamento próximo, seja em uma clínica e/ou em um hospital
pelo tempo que for necessário.
Veras lembra e defende outra forma de combate ao crack. “O
tratamento para qualquer substância, apesar de ter no horizonte a intenção de
parar, pode não ocorrer só através da interrupção do uso."
“Uma das estratégias norteadoras é o que a gente chama de
política de redução do danos. O indivíduo que usa crack reduz os danos quando
encontra um lugar protegido para o uso da droga, com o fornecimento de uma
alimentação básica e o acompanhamento dos profissionais de saúde."
Essa estratégia de manter o uso, ou trocar por uma droga
mais suave, em um ambiente controlado, seguro e com acompanhamento é apoiada
por mais de 90 países e uma das estratégias recomendadas pela Organização Mundial
da Saúde.
Para Nacer, é preciso avaliar o perfil de cada usuário: “Em
muitos casos não há como você tratar as pessoas sem a abstinência. Redução de
danos funciona pra uma parte, outros saem das drogas até pelo esporte”,
explica.
Medicação
Há medicamentos competentes no controle da fissura, a
vontade extrema de recorrer à droga. O que os médicos pedem é um uso muito
controlado para que um vício não seja trocado por outro e que, em algum
momento, a pessoa consiga “caminhar com as próprias pernas” contra o crack.
Jaber é um dos psiquiatras que defende um uso muito
controlado de remédios: "Sempre procuramos tirar o máximo o possível
porque eu tenho um paciente que já é adicto. Ele já se acostumou
metabolicamente a ficar dependente de uma substância."
Veras e Nacer acreditam no uso como uma das vertentes, mas sem “dopar” a pessoa para evitar a abstinência.