Publicado em 10/07/2017
Central faz avançar doação de órgãos
Instituição paulista comemora 20 anos com mais de 100 mil pacientes salvos; número de doadores foi de 83 em 1997 para 844 em 2016
Mariano doou parte do fígado para salvar a filha Luiza, de 10 meses, que nasceu com um problema raro.
No mesmo ano em que a Secretaria Estadual da Saúde de São
Paulo criava a Central de Transplantes paulista, a então adolescente Barbara
Francine de Almeida Rodrigues dos Santos recebia a pior notícia de sua vida:
seu coração, debilitado por um problema congênito, não aguentaria muitos meses
e precisaria ser substituído.
A existência de um futuro para a jovem passava a
depender, portanto, de um doador. Barbara havia nascido com uma cardiopatia grave, só
descoberta aos 4 anos, após ela passar por sucessivos quadros de pneumonia. Por
alguns anos, a jovem foi tratada com medicamentos. Mas, em 1997, quando ela
tinha 15 anos, uma parada cardíaca repentina lesionou ainda mais seu coração.
O
transplante teria de ser realizado o quanto antes. Vinte anos depois, Barbara
tornou-se um dos mais de 100 mil pacientes salvos graças à existência da
Central de Transplantes de São Paulo, órgão que comemora duas décadas neste mês.
Hoje com 35 anos, a pedagoga lembra quando a família recebeu
a ligação com a notícia de que haviam encontrado uma “potencial
doadora”. Barbara e os pais estavam no litoral quando o telefone
tocou. Entre o aviso de que precisaria de um transplante e a chegada de um coração
compatível foram cerca de seis meses de espera.
“Eu tinha pedido para ir à praia e
a família acabava fazendo minhas vontades, por causa da minha condição difícil.
Justo naquele dia, teríamos de subir a serra correndo para dar tempo de fazer o
transplante. E ainda tinha chovido muito, e São Paulo estava alagada”,
conta.
Ao chegar ao Instituto do Coração do Hospital das Clínicas
(InCor), uma surpresa: a família da doadora, com diagnóstico de morte cerebral,
não havia confirmado que autorizaria a doação de órgãos. “Eu
imagino como é difícil em um momento de dor como esse ter de se abrir para
ajudar outra família”, recorda Barbara, emocionada.
Após autorizar e voltar atrás três vezes em uma madrugada, a
família da doadora acabou cedendo e Barbara, finalmente, ganhou um novo coração.
Balanço. Nos 20 anos da Central de Transplantes paulista,
mais de 1,5 mil corações foram transplantados, além de 17,8 mil rins, 7,4 mil fígados,
1,5 mil pâncreas, 78 mil córneas, 608 pulmões, entre outros órgãos.
Procedimentos do tipo já eram feitos no Estado de São Paulo
anos antes, mas a criação da Central, explica o secretário estadual da Saúde de
São Paulo, David Uip, trouxe transparência para o serviço. “Foi
a partir daí que passamos a ter a fila unificada, com critérios de
compatibilidade e gravidade. Antes, os órgãos eram disputados entre as equipes
de transplante dos diferentes hospitais”,
conta ele.
“Também conseguimos aumentar o
sistema de captação.”
A fila de
espera por um órgão no Estado hoje reúne 14 mil nomes. “Nossa
principal dificuldade é o convencimento das famílias”,
diz Uip. A secretaria lança, na próxima quarta-feira, uma campanha para
incentivar a doação de órgãos. Hoje, 40% das famílias não autorizam o
procedimento – na década de 1990, eram 70%.
Nascida com uma condição rara, chamada de atresia das vias
biliares, a menina desenvolveu cirrose hepática e só sobreviveria se ganhasse
um novo fígado. “Eu sabia que o transplante seria
o momento mais crítico para ela; que havia riscos, para nós dois, mas não
pensei duas vezes. Era a única chance dela.”
O transplante foi feito em abril deste ano e a menina teve alta um mês e meio depois. “Eu e ela tivemos complicações, mas hoje ela está bem: brinca, se alimenta e já tenta falar. Eu não tive nenhuma dúvida de me oferecer como doador”, disse.