Publicado em 17/07/2017
Inadimplente brasileiro deve três vezes o salário
A maior parte das dívidas foi feita nos últimos três anos - período que coincide com o agravamento da crise econômica
Inadimplência: hoje atinge um contingente de 61 milhões de brasileiros.
São Paulo – Soraia Aparecida dos Santos se endividou para fazer faculdade; Fábio Chagas para ajudar um amigo; e Roberto Iglesias para montar um negócio. Os três pegaram crédito por motivos diferentes, mas hoje vivem o drama de milhares de brasileiros que não conseguem pagar as contas em dia.
Com renda em queda e desemprego, as dívidas logo saem do controle. Uma
pesquisa da empresa de recuperação de crédito Recovery, feita pelo Data
Popular, mostra que hoje o brasileiro inadimplente deve, em média, três vezes o
que ganha e, em alguns casos, acumula até 20 dívidas diferentes.
A maior parte das dívidas foi feita nos últimos três anos –
período que coincide com o agravamento da crise econômica. De 2014 para cá, a
taxa de desemprego mais que dobrou, atingindo 14 milhões de brasileiros. Ao
mesmo tempo, a população teve de conviver com a disparada da inflação, escassez
de crédito e juro alto. Foi uma combinação perfeita para o aumento da inadimplência
(contas em atraso por mais de três meses), que hoje atinge um contingente de 61
milhões de brasileiros. “É metade da população economicamente
ativa”, afirma o presidente da Recovery, Flavio Suchek.
O número de
inadimplentes é o maior em pelo menos cinco anos – início do indicador de
Inadimplência do Consumidor da Serasa Experian. “Diferentemente de outros períodos, a inadimplência elevada não é
resultado de excesso de endividamento – até porque a carteira de crédito está
em queda”, diz Luiz Rabi, economista da
Serasa Experian. “Não é que o brasileiro está se
endividando além da conta, é justamente o impacto da crise, com o desemprego em
nível recorde. Não é que ele não quer pagar – ele não tem é dinheiro.”
Perfil
Apesar de a
maioria dos inadimplentes ainda estar trabalhando, foram o aumento do
desemprego e a queda na renda que turbinaram a escalada do atraso nos
pagamentos. De acordo com a pesquisa, 43% dos entrevistados apontaram o
desemprego como o grande vilão por não estarem em dia com as contas. Outros 19%
disseram não ter renda para pagar a dívida, sendo que 27% deles pertencem à
classe baixa.
O diretor
do Data Popular, Dorival Mata-Machado, afirma que a pesquisa mostrou uma nova
percepção da população brasileira em relação à inadimplência. “As pessoas estão menos preocupadas com o nome sujo e mais com o que é
justo.” Isso significa que os devedores têm
pleiteado melhores condições de pagamento, com descontos maiores e juros
menores. Mas essa percepção só aparece quando a empresa de cobrança bate na
porta da casa dos inadimplentes para receber a dívida. “Até então, a maioria não faz ideia de quanto deve e de quanto paga de
juros”, diz Suchek. Ainda segundo a
pesquisa, 36% dos inadimplentes não sabem o tamanho de sua dívida.
Isso denota
que, além de um cenário econômico adverso, pesa na equação – e no bolso – a
falta de conhecimento financeiro do brasileiro.
“O brasileiro tem dificuldades para
lidar com o dinheiro. Para começar, ele superestima a sua renda, em média, em
8%”, afirma Bruno Poljokan, diretor da
plataforma de crédito online Just, do grupo GuiaBolso. “Há ainda falta de informação sobre as modalidades de crédito, principalmente
as mais caras, como cheque especial e cartão de crédito”, diz ele. Segundo dados do GuiaBolso, quase 40% dos usuários do
aplicativo que pagaram juros mensais de ao menos R$ 5 no rotativo disseram
acreditar que não estão endividados.
Esse
quadro, aos poucos, vai se modificando. Segundo Mata-Machado, do Data Popular,
os jovens são os que mais fazem exigências no acerto de contas, por estarem
mais conscientes. “Essa população cresceu num período
de bonança. Se estivesse com o orçamento apertado, fazia um bico, se endividava
e corria atrás. Hoje eles estão tendo de fazer mais contas.”
De qualquer
forma, a maioria dos inadimplentes quer renegociar a dívida, especialmente para
voltar a consumir. Embora 79% deva mais para os bancos, é no comércio que o número
de dívidas per capita é maior. São 2,59 dívidas por inadimplente.
Embora uma
alternativa recomendada para os devedores seja trocar uma dívida cara por uma
barata, quando o montante for muito grande, aconselha Poljokan, o ideal é
insistir na renegociação, seja do valor, dos prazos ou condições.